Naquele dia, a mulher queria ir
trabalhar mais cedo e já estava quase se atrasando, mas ao abrir portão, parou
indecisa. Sentiu um arrepio de frio e viu-se envolta em uma névoa espessa. Pareceu-lhe
que transpusera um portal e, agora, encontrava-se num mundo ártico. Um véu
esvoaçante e cinzento pairava sobre tudo, impedindo-a de enxergar os contornos
e movimentos da rua. Ia entrar para pegar um agasalho e trocar a sandália
rasteira por botas, quando foi retida por outra visão surpreendente: vindo do
céu cinza-prata, um ser alado passou por ela, adentrou por entre as grades e
aterrissou meio desajeitado no ladrilho da varanda. Por alguns instantes, ficou
embevecida a contemplar aquele pequeno ser azul-azul, resplandecente, que
cintilava aos seus pés, frágil e balouçante como uma pluma: um beija-flor.
Tomou- o nas mãos
e examinou-lhe o corpusculozinho sob as penas em busca de ferimentos. Nada
encontrando, aninhou-o no peito, tépido e macio, em sua quieta-inquietude de
pássaro. Levou-o ao jardim e abriu as mãos para libertá-lo, porém o colibri
firmou as pequeninas garras em seu indicador e ali ficou imóvel
A mulher olhou-o inquieta:
um guainumbi pousado em seu dedo...
Colocou-o, delicadamente num galho da roseira
e esperou. Nem teve tempo de apará-lo. O pequenino despencou junto com a rosa
que tentara bicar e ambos jazeram aos pés da mulher: azul e branco, frágeis e
belos.
Atarantada,
recolheu os dois – carne e algodão – um em cada mão. Precisava ir trabalhar. Saiu
à rua e soltou o beija-flor impulsionando-o para o alto.
Ele voou, pousou
no fio de luz e ali quedou-se, quase uma
mancha azulada, não mais iridescente, a
espiar o vazio cinzento do céu de abril. O mundo era enorme.
A mulher
precisava ir trabalhar. Arrancou-se da calçada e caminhou para o ponto de
ônibus, úmida e desfolhada como a pequena rosa que colocara no bolso da blusa. Ia traspassada pela visão daquele ser
voejante, preso ao fio de luz, sem saber que direção tomar em meio à neblina
que começava a suavizar-se, rasgada pelos primeiros raios de sol da manhã. O mundo era infinito.
Muito bom. Tem uma sonoridade linda! E a história está me intrigando até agora.
ResponderExcluirE quem mais o beija-flor iria procurar senão uma Rosa? A Rosa que é, simultaneamente, mãe e filha e mãe do Filho, a senhora das fontes, a escolhida para em seu ventre gerar a Luz. Meus irmãos, percebeis, esse colibri é Jesus!
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