terça-feira, 8 de novembro de 2011

DEJÁ VU


Ela ia passando por uma rua próxima, quando sentiu o desejo irresistível de rever aquela casa. Mudou de trajeto, parou o carro adiante e caminhou, célere, até a rua das mangueiras. Parou quase em frente ao número 25 e ficou observando a casa: continuava pintada de amarelo, as portas envernizadas, o telhado baixo, o muro de pedra, a grade alta, o portão de madeira... o jardim de rosas. Ficou longo tempo olhando aquela casa e relembrando tantos momentos felizes vividos ali. Em que momento tudo se acabara? Antes, ela entrava sem se anunciar e agora não podia sequer tocar a campanhia. Até mesmo ficar ali, parada olhando, era arriscado. Se um dos donos da casa aparecesse no portão ou mesmo na janela, fria papel ridículo e pior ainda, seu segredo seria descoberto. Decidida, foi embora. Era uma mulher de trinta anos e estava se comportando como uma adolescente. Mas, ao dobrar a esquina, viu que o portãozinho do quintal estava aberto. Olhou para os lados e entrou feito uma ladra. A porta da cozinha estava fechada; experimentou o trinco e nada. O melhor era voltar antes que fosse tarde, mas suas pernas insistiram em arrodear a casa. As janelas estavam abertas. Ficou escutando; não ouviu nenhum barulho. Aquela podia ser sua única chance de entrar aquela casa onde tantas vezes voltara em imaginação e em sonhos. O coração batia loucamente e a boca estava seca de medo. Ainda havia tempo de desistir; não teria coragem de se arriscar tanto entrando por uma janela. Que papel ridículo, uma mulher de sua posição, escondida no canto da parede, espreitando o interior da casa dos outros! Cuidadosamente, assomou a cabeça à janela e olhou para dentro da sala de jantar. O tempo parou. Viu-se naquela mesa comprida, sentada junto dele a lhe servir o jantar que ela mesma preparara. Viu-se de novo do lado de fora calculando a altura da janela como fizera há muitos anos, quando pulara a janela do quarto dele para lhe fazer a surpresa de passarem a noite juntos. Com um impulso, agarrou-se ao parapeito e pulou para a sala. Tudo ali continuava igual: a mesa, as cadeiras, o guarda louça, os quadros, o lustre...  Diferente eram as cortinas cor de vinho Só aquela mulherzinha de mal gosto poderia usar cortinas daquela cor. Foi à sala de visitas, examinou o tapete espalhafatoso, a mezinha de mármore com a mesma rachadura e o sofá antigo, agora com forro de tecido igual ao das cortinas, tudo de cetim cor de vinho. Tantas vezes sonhara em comprar móveis novos, colocar cortinas leves e um tapete persa. Se precisasse, contrataria um decorador para ajudá-la a escolher os objetos, os quadros, a cor das paredes... Seguiu pelo corredor. Agora que estava ali, iria até o fim. Quando se aproximou do quarto das crianças ouviu o barulho do chuveiro vindo da suíte no fim do corredor. A outra estava no banho! Ainda havia tempo de bisbilhotar mais um pouco, mas o chuveiro foi desligado e ela se preparou para fazer, em pânico, o caminho de volta. Já se preparava para pular a janela, quando ouviu um espirro, seguido da pergunta: Tem alguém aí? Era ele!. Há quase oito anos não o via, a não ser uma única vez quando ele esteve em sua cidade, e ela passou a tarde inteira  na varanda, só para vê-lo passar e ganhar um breve aceno. Como sofrera por dias e dias por continuar vivendo longe daquele homem. Entrou no quarto sorrateira, escondeu-se atrás da cortina e esperou ele aparecer. Enxugava o cabelo com a toalha e estava nu. Não mudara quase nada: o corpo continuava rijo. o rosto ficara mais belo. Correu para seus braços. A mulher viajara com os filhos e, se o marido dela não viera, podia passar a noite ali.  Passaria a noite com ele e depois voltaria para sua vidinha morna.


                                                     

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